Dopamina, conhecida como o hormônio do prazer, é gerada principalmente em momentos que satisfazemos alguma necessidade básica, como comer quando se está com fome ou tomar água quando se tem sede. Quando nos satisfazemos de uma necessidade, o nosso corpo entende que precisa de uma recompensa e libera dopamina, dando a sensação de prazer por estar satisfeito ou realizando algo. Por esse fato e tantos outros, a dopamina é considerada vital para nós.
Há 3,5 milhões de anos, os Australopitecos, nosso ancestral mais antigo de que se tem registro, gerava dopamina ao realizar atividades essenciais, como uma caça bem-sucedida, lutar para se tornar o líder de um grupo, ter a atenção das ''fêmeas'' e se reproduzir. Curiosamente, nos dias de hoje a forma mais natural e eficaz para o nosso corpo liberar dopamina ainda são as mesmas dos Australopitecos. No mundo moderno seria comer, conquistar um objetivo, ser desejado e satisfazer nossas necessidades fisiológicas.
Em 1954, Peter Milner e James Olds na Universidade McGill, no Canadá, conduziram um estudo científico sobre o sistema límbico do nosso cérebro. O estudo foi responsável por provar, por meio de experimentos em animais, que a dopamina é extremamente viciante, pois é a melhor sensação que o cérebro é capaz de nos proporcionar. Além disso, ficou provado que somos capazes de fazer tudo para obter dopamina, podendo até mesmo causar a nossa própria morte. Isso pode ser observado pelo uso de drogas que forçam o cérebro a liberar dopamina até causar uma overdose ou ações de violência onde a parte instintiva, tribal, o instinto de sobrevivência e a dominância, herdada pelos nossos ancestrais, é ativada.
No estudo, que está gravado e pode ser visto na internet, os animais tinham um eletrodo na cabeça que liberava um estímulo de dopamina quando eles pisavam em um botão. A sensação era tão viciante que eles apertavam o botão até 7mil vezes por hora, ignoravam suas necessidades básicas como comer e beber, e acabavam morrendo de exaustão, fome e sede, sem perceberem.
Em 1989, a internet como conhecemos hoje (World Wide Web) foi criada e com ela surgia a primeira fonte ''gratuita'' de dopamina: o acesso à informação. Informação que antes exigia trabalho árduo, leitura e muito estudo para se conquistar, agora estava ao alcance de alguns cliques, para todo o mundo. Em 1998, Larry Page e Sergey Brin criaram o Google, até hoje o site mais acessado na internet do mundo todo, que seria um marco para a humanidade, e a relação da dopamina com a internet nunca mais seria a mesma.
Um pequeno salto no tempo e vamos para 2010, Kevin Systrom e Mike Krieger criam o Instagram. Pouco é divulgado quem esses dois foram antes da criação do app. Uma pesquisa um pouco mais aprofundada, e olha só: ambos os sócios passaram mais de 4 anos na Universidade de Stanford estudando marketing, técnicas de persuasão e neuropsicologia. Ou seja, nada é feito na plataforma sem um propósito, e o app aplica técnicas de controle cerebral nos usuários sem que eles percebam, o tempo todo.
Com a popularização da tecnologia, a criação de apps e sites se tornou mais fácil do que nunca. Hoje, inclusive, parece que são todos iguais e só mudam o nome, porque a receita é a mesma: feeds infinitos, uma IA por trás para recomendar os assuntos de que você gosta, pessoas recomendadas baseadas nas suas conexões, temas que você pesquisa e o que você assiste, lojas integradas aos apps e muito mais.
Logo, o ativo mais importante para as empresas por trás desses apps é a atenção de seus usuários e como eles farão para manter o usuário a maior quantidade de tempo do dia na frente da tela usando o seu app. Aliás, o termo ''feed'' criado em 2006 por Mark Zuckerberg, criador do Facebook, significa ''alimentar''. Alimentar o quê? Fica a seu critério a reflexão. Tudo que libera dopamina no nosso cérebro, como comprar algo, comer, conhecer e falar com pessoas, encontrar um parceiro (a), assistir a vídeos de bichinhos fofos, esportes, música, pessoas famosas, etc. Tudo sem esforço algum, sem precisar levantar do sofá, na palma da nossa mão.
Nunca foi tão fácil satisfazer as nossas necessidades e vontades. Basta um celular e você tem dopamina infinita, barata e sem esforço. E assim como o estudo de 1954, provamos que ela pode ser usada para nos controlar.
As necessidades vitais dos seres humanos já não precisam mais de esforço para serem realizadas. Há apps para pedir comida, há apps para relacionamentos, há apps para que você faça parte de algum grupo ou crie sua própria página e doutrine suas ideias por lá, e seja seu próprio líder do ''bando''.
Nosso cérebro é hiperestimulado o tempo todo porque a dopamina é muito fácil de se obter. Isso faz com que nós nos sintamos entediados e desestimulados muito rápido, porque a dopamina que deveria ser liberada no nosso corpo por meio de um grande feito ou uma grande conquista, como uma promoção no trabalho, conseguir levantar aqueles pesos na academia ou garantir a sua próxima refeição já foi liberada centenas ou até milhares de vezes em pequenas doses que se acumulam. Quando ficamos rolando o feed, rindo por conta de vídeos, se emocionando com o vídeo de um animal resgatado ou curtindo a foto daquela pessoa que você achou atraente, e ela curtiu de volta, estamos liberando dopamina.
O avanço da tecnologia é inevitável. Cabe a nós escolher caminhos para não sermos tão controlados a ponto de ficarmos perdidos, entrando em um piloto automático que nos transformará em zumbis que se alimentam de telas.
O mundo que conseguimos tocar é o mundo que realmente importa. Temos que valorizá-lo incessantemente, antes que seja tarde demais para percebermos que é dele que vêm as nossas verdadeiras raízes e que é para ele que um dia voltaremos.